A tramitação simultânea do PL da Dosimetria e do PL Antifacção no Congresso Nacional tem acendido um alerta entre juristas, defensores públicos e parlamentares. Embora os dois projetos tratem da política criminal e da progressão de penas, eles seguem direções opostas e criam um cenário de contradição legislativa, com potencial para gerar insegurança jurídica e até beneficiar criminosos de alta periculosidade.
O PL da Dosimetria, já aprovado pela Câmara dos Deputados e em análise no Senado, propõe mudanças no cálculo das penas e nos percentuais mínimos exigidos para progressão de regime. O texto reduz o tempo necessário para que condenados avancem do regime fechado para o semiaberto, inclusive em crimes violentos que não são classificados como hediondos. Em alguns casos, a progressão poderia ocorrer após o cumprimento de apenas um sexto da pena, o equivalente a cerca de 16%.
Já o PL Antifacção, aprovado no Senado e ainda pendente de nova votação na Câmara, segue o caminho oposto. A proposta endurece as regras, elevando significativamente os percentuais mínimos de cumprimento de pena para crimes graves, especialmente aqueles relacionados a organizações criminosas, facções, milícias privadas, crimes hediondos e feminicídio.
O problema, segundo especialistas, surge justamente na coexistência dos dois textos. Caso ambos entrem em vigor, haverá conflito direto sobre qual regra deve prevalecer. Para o defensor público e professor de Direito Penal Gustavo Junqueira, essa sobreposição cria um ambiente propício à judicialização em massa. Cada caso pode acabar sendo discutido nos tribunais, aumentando custos, atrasos e decisões divergentes.
Um dos pontos mais sensíveis está no impacto sobre condenados por crimes ligados ao comando de organizações criminosas. Pelo PL da Dosimetria, líderes de facções condenados por determinados crimes poderiam ter acesso à progressão de regime com percentuais menores do que os previstos no PL Antifacção e até na legislação atual. Isso abriria brechas para que integrantes do PCC e do Comando Vermelho sejam beneficiados indiretamente, mesmo sem essa ser a intenção declarada do projeto.
Além disso, o texto da Dosimetria não estabelece um recorte temporal específico, como ocorre em propostas de anistia. Ou seja, as mudanças valeriam de forma geral, alcançando não apenas envolvidos nos atos de 8 de janeiro, mas qualquer condenado que se enquadre nos critérios legais. Isso amplia ainda mais o alcance das alterações.
O ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reconheceu a necessidade de cautela na análise das mudanças. Embora seja contrário a uma anistia ampla, Pacheco defende que penas sejam graduadas de acordo com o grau de participação dos envolvidos, especialmente em crimes contra o Estado Democrático de Direito. Ainda assim, ele alertou para o risco de exceções casuísticas que acabem fragilizando o sistema penal.
No Senado, o relator do PL da Dosimetria, Esperidião Amin (PP-SC), afirmou que ajustes ainda podem ser feitos para conciliar as pautas e evitar distorções. Segundo ele, há um esforço conjunto com outros senadores para “preservar o desejável e afastar o indesejável”, mas o desfecho dependerá do clima político e das negociações entre as Casas.
Enquanto isso, especialistas alertam: a aprovação de textos contraditórios pode gerar instabilidade jurídica, aumento de recursos judiciais e um efeito prático contrário ao discurso de combate ao crime organizado. Para críticos, a sensação transmitida à sociedade é de fragilização do sistema penal, justamente em um momento em que a população cobra respostas mais firmes contra a violência
Resumo
Dois projetos que tramitam no Congresso tratam das penas e da progressão de regime, mas seguem caminhos opostos. O PL da Dosimetria propõe mudanças que, em alguns casos, reduzem o tempo mínimo que um condenado precisa cumprir na prisão para progredir de regime. Já o PL Antifacção endurece essas regras, aumentando o tempo de prisão para crimes graves, como os ligados a facções criminosas, crimes hediondos e feminicídio.
O problema apontado por especialistas é que, se os dois textos forem aprovados, pode haver conflito entre as leis, gerando insegurança jurídica e muitas disputas na Justiça sobre qual regra deve ser aplicada. Na prática, brechas criadas pelo PL da Dosimetria podem acabar beneficiando até líderes de facções como o PCC e o Comando Vermelho, mesmo que esse não seja o objetivo declarado do projeto.
Além disso, as mudanças não se limitariam apenas aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, podendo atingir outros condenados por crimes violentos. Por isso, juristas alertam que a aprovação dos dois projetos sem ajustes pode enfraquecer o combate ao crime organizado e aumentar a instabilidade no sistema penal.
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